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UM AUTISTA EM TEMPOS DIFÍCEIS, ou TEMPOS DIFÍCEIS PARA UM AUTISTA.






Não é novidade nenhuma que estamos vivendo tempos difíceis. Estamos trancados em nossas casas, longe do contato com nossos amigos e familiares; não podemos sair na rua sem máscara e temos que manter distancia dos outros nas filas, etc. Tudo por causa de um vírus que está fazendo vítimas ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Estamos isolados, sem previsão de retornar ao contato social. E o que isso representa?
Sinceramente, para este autista que escreve este texto, representa algo terrível. Terrível porque estou longe das pessoas que eu gosto: minha família e meus amigos, além de ter meus planos para 2020, abortados.
Mas, nos últimos dias, tudo mudou de forma violenta, para pior, infelizmente.
Por motivos óbvios, não entrarei em detalhes sobre o que está acontecendo na minha vida; irei somente expor o que está acontecendo comigo, como pessoa e como autista.
Estou com problemas de família aqui em casa, problemas que vêm me afetando há quase dois anos. No início, eu acreditava que podia lidar com isso, mas, a medida que o tempo passava, comecei a perceber que não seria tão simples. Esses problemas começaram a me afetar; na verdade, a todos ao meu redor, mas por motivos óbvios, ficou muito mais pesado para mim. Como posso descrever? É uma situação de estresse absoluto, que crescia a cada dia, com brigas e discussões entre nós, o que estava me fazendo muito mal. E havia dias em que esses problemas se agravavam, às vezes, por muitos dias.
Pois bem, aconteceu de novo, há umas duas semanas. Não sei como aconteceu exatamente; tudo que sei é que tudo virou – novamente – de cabeça para baixo, no pior sentido. Acredito que a melhor maneira de descrever tudo isso é: É um pesadelo da qual não posso acordar, por mais que tente. É muito pior do que qualquer filme de terror; é pior do que está acontecendo lá fora, com esse vírus.
Nas últimas semanas, eu tenho visto aqueles ao meu redor passarem por situações humilhantes e desgastantes, e isso é muito pior do que o problema em si. Mas, talvez, a dúvida seja: O que está sendo feito para mudar isso? A resposta é uma: Nada! Aqueles ao meu redor não estão fazendo absolutamente nada para melhorar isso. Eu não sei o que precisa acontecer para que uma atitude seja tomada; tudo o que sei é que para mim já chega. Eu não vou mais me envolver nisso tudo, porque me faz muito mal; inclusive, já tive um “meltdown” por causa disso, e honestamente, sinto que estou prestes a ter outro. Não darei mais detalhes sobre o que mais me passou pela cabeça.
E qual será o fim disso tudo?
Isso vai passar, e depois vai se repetir, com certeza. Como já disse, eu não vou mais me envolver, não apenas porque me faz mal, mas também porque eles não me escutam. Eu não sei o que eles estão pensando na vida; tudo que sei é que todos nós envolvidos nisso – inclusive eu – somos um bando de irresponsáveis, por deixarmos a situação chegar a esse ponto e não fazer nada a respeito.
Este é o relato de um autista que está vivendo uma situação limite; uma situação limite em que não queria estar, que lhe foi imposta, sem o seu consentimento, porque outros não a quiseram para si.
O que está acontecendo comigo não é justo; é desgastante e me faz sofrer muito, e o mais importante, está me impedindo de viver minha vida e de ser feliz.
Por causa disso, estou reconsiderando a possibilidade de sair desta casa, e recomeçar minha vida em outro lugar, longe de todos com quem moro. Eu sei que é difícil, mas eu não vejo outra solução.
Eu quero ser feliz. Quero ter uma vida. E não estou fazendo nenhuma dessas coisas. Estou vivendo dentro de um barril de pólvora, onde todos varrem a sujeira para debaixo do tapete. Pois bem, uma hora, o pavio vai acabar, o barril vai explodir e a sujeira vai nos engolir. Acho que é isso que eles estão esperando acontecer para tomar vergonha na cara e agir.
Tudo que sei é que não queria estar aqui quando isso acontecer.
Qual o meu ponto, ao contar tudo isso?
Meu ponto é que autistas não foram feitos para situações como essa. Nossa tolerância ao estresse é baixa, e pode afetar nossa saúde. Claro, os neurotípicos também são afetados, mas para nós, neurodiversos, o peso é maior. Muito maior.
Então, estamos vivendo tempos difíceis? Com certeza. Mas para mim, o que está acontecendo lá fora, não é nada. O verdadeiro horror está acontecendo aqui, dentro da minha casa. Isso que está acontecendo com o mundo, vai passar. Já o que está acontecendo na minha vida pessoal, sinceramente... Não tenho uma resposta para isso.  


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